Um presunto cru pode ser doce? Na Itália, certamente.
Em uma loja de frios, por exemplo, é muito comum ouvir a pergunta: “presunto cru doce ou salgado?”. Obviamente, todos os presuntos têm uma grande quantidade de sal e ninguém pensa neles para a sobremesa, mas aqueles com sabor mais delicado, como o Parma e o San Daniele, são considerados “doces” – em contraposição aos mais salgados, como o de Norcia e o toscano.
Na quitanda, a história se repete: a berinjela redonda (tipo Niobe) é “mais doce” – “più dolce”) – que a comprida; as abobrinhas verde-escuras “menos doces” – “meno dolci” – que as verde-claras.
Curioso também é o caso do gorgonzola: queijo forte, cheio de personalidade, que se apresenta em duas versões: picante e doce – mais cremosa e suave que a primeira.
É claro que em português também usamos o termo “doce” para indicar algo (ou mais comumente alguém) meigo, fofinho. Mas o conceito de doçura aqui, mesmo quando estritamente aplicado à comida, vai além de açúcar e afeto: muitas vezes é comparativo – um paralelo entre duas variedades – ou simplesmente uma característica daquilo que é agradável ao paladar.
No Brasil, um exemplo de uso semelhante é o do azeite: no nordeste, o de oliva é chamado de “azeite doce” em contraposição ao de dendê. No mais, outros adjetivos são empregados com mais frequência: suave, delicado.
Há, também, mais uma palavra na língua italiana, quase um antônimo de doce, que pode causar estranheza aos ouvidos habituados com a língua portuguesa: “saporito”. O que poderia ser traduzido livremente como “saboroso”, normalmente não quer dizer simplesmente “delicioso”, mas é usado para designar um excesso, principalmente de sal: um prato “saporito”, pode querer dizer algo com sabor muito intenso (bastante temperado, por exemplo) ou o resultado de quando se erra a mão no sal – o prato ainda é gostoso, mas um tiquinho menos salgado ficaria melhor.
E a um só tempo dolce e saporita é o augúrio para a vida de todos nós.