Textos

30/07/2021
15:05
Bologna, Italia

Livros sagrados

É fascinante o poder da comida de criar laços entre pessoas. Seja uma mãe que prepara comida a seus filhos, um primeiro encontro de apaixonados que saem para jantar, um grupo de amigos que se reúne ao redor de uma mesa…

Essa força de união é tão profunda que a própria formação de uma identidade nacional passa pela comida.

O sociólogo Carlos Alberto Dória, no livro Formação da Culinária Brasileira – Escritos sobre a cozinha inzoneira, argumenta que Monteiro Lobato teve grande influência na criação de uma “culinária brasileira”, ao coordenar a publicação do mais famoso livro de receitas do nosso pais, o Dona Benta – Comer Bem (1940).

Essa obra teria sido fundamental porque, em tal período, grande parte da população brasileira sofria com graves déficits nutricionais e o livro foi capaz de reunir receitas equilibradas e saudáveis, contribuindo para “sistematizar uma dieta conveniente para o país”.

As receitas da Dona Benta (ou seria melhor dizer da Tia Anastácia?) passaram a ser replicadas de norte a sul, em inúmeras cozinhas brasileiras – como a minha, da minha mãe, da minha avó… – tornando-se, assim, o compêndio “oficial” das receitas tradicionais brasileiras; além de ser, até hoje, uma ótima ajuda para alguém sem ainda muita intimidade com os fogões.

Meio século antes, na Itália, foi também um livro de receitas a unir as mais diversas tradições das cozinhas regionais – tão diferentes entre si – logo depois da unificação do país, em 1861: o La Scienza in cucina e l’Arte di mangiar bene, de Pellegrino Artusi.

Publicado em 1891, traz, em sua edição mais recente 790 receitas clássicas italianas (a versão original contém 475), com ênfase na tradição da Emilia Romagna e da Toscana. Todas são numeradas e não é raro encontrar “Receita Artusi numero …” em menus de restaurantes espalhados pelo país.

No livro, algumas vêm precedidas por comentários engraçados, historicamente relevantes, ou simplesmente curiosos e são consideradas, hoje, referência absoluta para todos que querem escrever sobre o tema, ou simplesmente cozinhar – Artusi, inclusive, dizia que seu livro era tão prático e acessível que qualquer um que soubesse empunhar uma colher de pau tiraria proveito do conteúdo. Nada mais verdadeiro.

Nascido na pequenina San Ruffilo di Forlimpopoli (província de Forlì, Emilia Romagna), não só alcançou a proeza de disseminar os hábitos culinários entre as diferentes regiões, como de transmitir para as gerações seguintes uma certa coesão daquilo que passou então a ser conhecido mundialmente como “a cozinha italiana”. Para se ter uma ideia, o primeiro a “codificar” a combinação macarrão e molho de tomates foi ele.

Falando em molhos, ao iniciar a seção dedicada ao tema, esclarece que o melhor molho que se pode oferecer às visitas é uma cara feliz e pura cordialidade. Essa, na verdade, é a receita numero um de Artusi.