Em muito mudou a imagem da Emilia Romagna perante o mundo nos últimos dez anos. Fatores como o reconhecimento, em 2015, de Parma como patrimônio da UNESCO para a gastronomia; as seguidas premiações da Osteria Francescana (do chef Massimo Bottura) como restaurante numero um no mundo; e séries como “Master of None”, ambientada em Modena, contribuíram para que, de mero ponto de passagem nos roteiros clássicos, a região se tornasse uma referência internacional para o turismo gastronômico.
Outra consequência desse crescente interesse pelas tradições e culinária locais foi o resgate de alguns produtos típicos que estavam por se perder.
O “salame rosa” é um deles.
Embutido típico de Bologna, seu sabor é a um só tempo marcante – lembra porco assado – e suave, uma vez que é relativamente magro.
Não se trata de um salame como aqueles que conhecemos (feitos com carnes cruas maturadas e pedaços de gordura destacados), mas de um meio-termo entre um presunto cozido de excelente qualidade e a prima famosa, a mortadela.
Alguns detalhes das receitas podem variar, mas a base é uma mistura de carnes magras de porco – que, quando cozidas, mantenham sua coloração rósea – cortadas “in punta di coltello” (“na ponta da faca”), para depois serem misturadas, sempre com as mãos, a pedaços de gordura (como o guanciale) e temperadas com sal, pimenta-do-reino e alho. Uma vez misturada, a massa é então introduzida no invólucro que a protegerá e o produto é cozido em um forno seco por 15 a 24 horas.
Ainda que os ingredientes e o modo de cozimento sejam muito semelhantes aos da mortadela, a principal diferença está na textura: naquela, todas as carnes são moídas e a textura é homogênea, enquanto no salame rosa há um mosaico de cores e consistências.
Mas, voltando à história, o “rosa” teve idas e vindas em sua popularidade. Até a metade do século XX, era muito conhecido, assim como a mortadela. Porém, por conta da dificuldade na sua produção – artesanal e sem o auxílio de máquinas – a oferta foi diminuindo, deixando espaço aos embutidos industriais, de menor qualidade.
Até poucos anos atrás, era de fato muito difícil encontrar esse produto: o número de produtores não se contava nos dedos de uma mão, era vendido somente em poucas lojas especializadas e raramente presente nas tábuas de frios de restaurantes e bares.
Eis que (re)descobrir produtos raros e genuinamente locais passou a ser quase uma obsessão e o embutido mais antigo de Bologna voltou à moda.
Hoje, tem espaço em muitos menus da cidade e grandes marcas de frios passaram-no a produzir.
Como uma ótima banda meio esquecida que, de repente, volta a ser pop, a alegria de ver esse primo sumido da mortadela competir espaço com sua parente famosa é inegável – uma conquista merecida! – mas é necessário abrir os olhos: a produção, outrora inteiramente feita à mão e sem o auxílio de máquinas, hoje, dá lugar a produtos semi-industrializados, de qualidade nitidamente inferior.
Para que a volta do salame rosa seja definitiva e não somente outra onda passageira, é necessário que seja atrelada à alta qualidade. Produtos meia boca, que alguém come uma vez mas não tem muita vontade de repetir, só satisfazem a curiosidade. Ótimos produtos apresentados a um maior numero de pessoas tendem a ganhar notoriedade e gerar mais demanda.
Por isso, vida longa ao verdadeiro salame rosa.
(Quem tiver a oportunidade de vir a Bologna experimentar esse pedacinho de história, recomendo vivamente os seguintes produtores: Simoni, Bonfatti, Artigian Quality e Zivieri.)