Em uma pequena ruazinha chamada Vicolo Ranocchi, bem no centro histórico de Bologna, há uma placa, redonda, com os seguintes dizeres:
“Esta casa era a sede, de 1242 a 1795, da arte dos Salaroli, que controlavam a produção dos salumi [frios] bologneses, dos quais faz parte a excelente mortadela, que espalhou para o mundo o mito de Bologna “la grassa” [“a gorda”]”. “In questa casa ebbe sede dal 1242 al 1798 l’Arte dei Salaroli che presiedeva ala produzione dei salumi Bolognesi di cui la sopraffina mortadella fece grande nel mondo il mito di Bologna ‘La Grassa’”
Em outras palavras, foi bem ali que a história do embutido cor-de-rosa mais querido do mundo se misturou à de Bologna, a ponto de se confundir com o nome da cidade. (Em muitos bancos de frios da Itália e do mundo, pedir uns gramas de “mortadella”, ou de “Bologna” é a mesma coisa.)
Os Salaroli, mencionados na placa, eram os membros da cooperativa mais antiga de produtores de frios (“salumai”) da região, criada no século XIII. Antes de se especializarem em tal atividade, porém, eram “quase-cirurgiões” (“norcini”) que operavam pacientes quando não havia médicos disponíveis.
Tamanha sua habilidade com bisturis, aos norcini também se conferiam outras tarefas, como a de castrar porcos e, mais importante, de manipular a carne suína com precisão e destreza. Eram, portanto, capazes de separar os pedaços da carne com perfeição e, a partir deles, elaborar frios e embutidos.
Assim, na medida em que se aperfeiçoavam no trabalho da carne de porco e no preparo de produtos a partir dela, foram formando cooperativas regionais, como a Salaroli, em Bologna.
E, por mais que historiadores debatam vivamente sobre a origem da mortadela – a maior parte defende que foi inventada pelos etruscos que ocuparam a Emilia Romagna, em meados dos anos 300 d.C. – pouco se contesta o fato de que a produção do embutido feito a partir de carne de porco moída no pilão (o “mortarium”, do qual mais tarde derivou o nome do produto) ganhou notoriedade com a cooperativa bolonhesa.
Mas, afinal, o que é a mortadela? Uma mistura de carne de porco triturada e temperada com sal e pimenta-do-reino (pistache, jamais! Isso é coisa de mortadela romana, não bolonhesa), ensacada em um invólucro natural ou sintético, oval ou cilíndrico, e cozida até que o interior da massa atinja 70o. O produto então deve ser rapidamente esfriado e conservado em geladeira até ser consumido.
Quando pronta, a Mortadella Bologna IGP (Indicação Geográfica Protegida) pouco se assemelha à maior parte das mortadelas brasileiras; seu sabor é muito suave e não se notam resíduos de gosto artificial – o que infelizmente não acontece com grande parte dos produtos nacionais.
A cor e a consistência também são diversas; aos olhos, apresenta um cor-de-rosa vivo e uniforme, mas bem clarinho, com quadradinhos brancos perolados de gordura, bem distribuídos e distintos da carne (em quantidade não inferior a 15% da massa total). Na boca, não é elástica, mas muito macia, aveludada.
Aqui, ela é a rainha de qualquer tábua de frios. Na hora do aperitivo, pode ser consumida em fatias finas, ou cubinhos, quem sabe acompanhada de lascas de um bom Parmigiano Reggiano… É ainda usada como ingrediente em receitas tradicionais bolonhesas, sendo a mais famosa o recheio dos tortellini, outro ícone da cidade.
Por essas e outras, se Bologna é conhecida mundialmente por sua cozinha e a mortadela é um de seus maiores representantes, não é exagero dizer que esse produto é um símbolo do comer bem.